Tuesday, September 26, 2006

CYNTHIA FEITOSA

TE CUIDA, HOMAIADA. OSMAIR NA ÁREA.


Eu adoro supermercado. Assim como a Carol, sou capaz de ficar horas olhando as novidades, apreciando as embalagens, escolhendo entre duas marcas, lendo todos os ingredientes, nutrition facts e prazos de validade, enchendo meu carrinho de coisas essenciais, ligeiramente úteis e muito supérfluas várias vezes por semana, na maior alegria.

Em compensação, odeio passar nos caixas. Odeio muito. É que, assim como nove entre cada dez donas-de-casa conscientes - e o Artur (hohoho) -, eu também tenho minhas manias quanto a compras de supermercado : tudo deve estar separado em grupos, porque eu não misturo produtos de limpeza com alimentos no mesmo saquinho, nem coisas quebradiças e/ou amassáveis com latas e outros pesos-pesados (duh). Por isso, tenho também toda uma ordem para entrada no carrinho, no porta-malas, no carrinho do prédio e... ai meu Zeus, fico cansada só de descrever. Como aparentemente os supermercados aqui (com exceção do Pão de Açúcar, de uma rede local e de um pequeno empório que tem uns importados legais e os melhores hortifruti da cidade) só contratam gente que odeia trabalhar, detesta os clientes e faz questão de tratar mal a quem quer que passe pelo seu caixa, este é sempre um momento de stress pra mim. Tenho que escolher entre tentar bancar a "polva" em fast-motion - pra não deixar que eles joguem engradados de latinhas de refri em cima das torradas nem caixas de leite sobre frutas e verduras que eu levei um tempão pra escolher, não deitem os frascos de alvejante (que sempre vazam, os malditos) - ou já engrossar logo de cara, com um "Pára essa esteira aí um minuto, que cê tá quebrando e amassando minhas compras". Funciona, mas é chato. Tentar falar isso com educação e jeitinho não adianta nada, podem acreditar. Além de tudo, a lei de Murphy, infalível, garante que eu sempre entrarei na fila do caixa que está em treinamento, ou cuja bobina acaba de acabar e ele não sabe trocar, ou o cliente imediatamente à minha frente é um chato de botas de alpinista, que quer dividir as compras entre cartão de crédito, cartão do super, dinheiro e cheque, ou exige que tirem dois centavos de um produto que o concorrente estava vendendo por um centavo a menos, enfim, sempre tem alguma coisa pegando.

Por isso, ontem, ao sair do trabalho já com preguiça, na hora de passar no caixa eu tava quase chorando só de tentar adivinhar qual seria o imbróglio da vez. Entrei na primeira fila, bem vazia, e vi uma perua-bruxa que é minha vizinha de prédio, com tudo já empacotado mas ainda criando caso com o caixa, que ficava com aquela cara de ônibus enquanto os minutos iam passando. Resolvi me arriscar e saí olhando as filas nos outros. Aí vi um vazio, que a operadora acabava de abrir. Perguntei pra ter certeza, e quando ela miraculosamente disse que tava funcionando sim, comecei a colocar as compras na esteira. Quando levanto a cabeça, a menina tinha sumido e sido substituída por um rapazinho, com o fone, cotoveleiras e uniforme de patinador. “Tapa-buraco”, pensei, “isso vai ser uma merda”. Mas aí o garoto foi passando minhas compras na ordem certa, sem jogar nada, dando pausas aqui e ali pra esperar que eu ensacasse e tirasse produtos do caminho antes de passar mais, pousando os hortifruti com carinho de mãe viúva botando o filho único no berço, e ainda achou tempo pra dar atenção a uma colega que queria ajuda pra passar um cartão de crédito manualmente – e não, ele não disse “sei lá”, disse “olha, eu nunca fiz isso, mas será que não é assim ? Vê com fulaninha que ela sabe”, e também não parou meia hora de me atender pra fazer isso. Quando acabei de empacotar tudo e passei o cartão de débito, ele ainda brincou “Olha só, você ganhou um desconto de 97 centavos !”, sorrindo, mas logo corrigiu, cuidando da imagem da empresa, com um “deve ser por causa dessa promoção de + um centavo”. E deu boa-noite como se realmente quisesse que eu tivesse uma noite boa, olha só. Saí de lá totalmente encantada.

Ele não era um príncipe núbio, um deus de ébano, um supergato musculoso com 800 dentes superbrancos em cada arcada, era só um menino magrelo e comum, com um nome feinho e um sorriso bonito, uma aura zen e uma educação e consideração naturais, não forçadas por treinamento e dinâmica de grupo, do tipo que a gente não anda encontrando nem entre pessoas com quem trabalha e convive todo dia. Mas eu fiquei apaixonada por ele. E torço muito pra que, por mais que ele seja o melhor caixa do mundo, não fique nisso por muito tempo. Espero que consiga empregos muito melhores e bem-pagos que este, que sua delicadeza seja premiada e não motivo de chacota nem razão pra que se aproveitem dele, e que ele nunca perca esse jeito doce e tranqüilo.

Se eu não fosse casada com o melhor homem do mundo, e se o menino não tivesse 20 anos e trinta quilos a menos que eu (e, convenhamos, se estivesse minimamente interessado), teria ganho uma mulher sem fazer a menor força. Portanto, homens que tratam suas mulheres com casca e tudo, que acham que têm justificativas biológicas, históricas, psicológicas ou besteirológicas para tanto, cuidado. Pode ser que um dia elas tenham que ir ao supermercado e ele esteja lá, no caixa, gentil, atencioso, tranqüilo. Osmair na área.

Escrito por Cynthia às 10h03 - de 10/03/2006
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Sunday, September 17, 2006

SILVIA CHUEIRE - Poeta (entrevista)

PEQUENA SOCIEDADE DAS POETAS VIVAS- IV -SILVIA CHUEIRE

Sivia Chueire, Médica, Poetisa

O Sub Rosa tem o orgulho e a pretensão de apresentar, 'duas ou três coisas que sei', que tenho sentido, descoberto, e intuído a respeito da conhecida poetisa carioca Silvia Nogueira da Gama Chueire.
Não podemos nos deter em mais nada. Tudo o que você queria e precisava de saber sobre ela está aqui, em primeira mão, para os meus queridos leitores:-)
*Mulher bonitíssima. *Inteligente. *Estimulante. *Sensível. *Culta. *Médica. *Psiquiatra com formação psicanalítica. *Cronista. *Blogger. *Poetisa.
*Um livro: Por favor, um blues, que a Editora Cosmorama, em 2005, publicou em Coimbra,, na cidade do Porto, Portugal.(*)
(e que o Sub Rosa noticiou em primeríssima mão, no Brasil;-) pisc* )
Não queiram ver gradações nesta sucinta apresentação. Importa saber que há vários meses começamos a conversar acerca de eu publicar um texto de Sílvia, o que ela pronta e delicadamente aceitou. As conversas, trocas de email, evoluíram e eis o resultado: esta entrevista (informalíssima) que fiz e que, creio, imodestamente ( 'o que é isso, a modéstia', anyway?) expõe e dá uma pequena mostra do sólido conhecimento de Sílvia em questões como a Filosofia, Poesia, Psicologia, Psicanálise, Medicina, é claro, e mais a observação da vida, além da imensa sensibilidade e imaginação, o que deve lhe dar e aumentar a força criativa; que cabe agora a vocês conhecer e julgar. Comentar e discutir.
;-)

Pequena antologia:

oferenda

ofereço-te meu corpo
faz dele o que quiseres
é o teu desejo
que desejo.
----------------------------------------------
preferir

à lâmina das palavras
preferir a chama,
a boca irisada,
a língua.

palavras que soletram
lentamente o ato.
-----------------------------------------------
mar

cola a tua boca
no mar que sou
o sal e as ondas

derramadas.

ouves o marulhar
na respiração ritmada
que cresce
e desliza na praia?

às vezes é tudo tão azul
que ofusca
------------------------------------------------
quereis muito

quereis a palavra certa
na hora certa.
não apenas o metro correto,
a frase bem feita.
quereis o sangue,
a alma do poeta,
a vida curta a galopar
gargantas

– como se não custasse esforço
fingir que fingimos –

quereis a vida,
a árvore da vida.
não apenas o trajeto reto,
geometria exata.
quereis elipses, parábolas,
o sabor mais íntimo
a perpassar vocábulos.

– como se cada letra
não fosse gota derramada –

quereis o que não sei
se posso dar.
o segredo do olhar,
o frio que me corta a pele
antes que a palavra
se esfacele e arda
na fina folha
de cada momento.

– como se cada volta da caneta
não fosse hesitação –

quereis muito, senhores,
muito.
mais do que pode
a mão que escreve o poema.
mais do que pode
um simples coração.

Do seu livro: Por favor, um blues.
***
Da série ÁRABES
Árabes V


Sob as estrelas

Antes que tivéssemos bandeira e hino
tínhamos a pátria sob as estrelas.

O cedro erguido
na imponência da noite.
----------------------------------------------
Árabes – XX
Dás-me

Dás-me um coração vazio,
o deserto do Saara
a dançar nas minhas mãos.
A secura do olhar misturada
à areia áspera trazida pelo vento
-----------------
Árabes - XXIII

Dançar

Dancei para ti.
A percussão , as guitarras
a arrancarem-me do ventre,
das ancas, em ondas,
o que queria dar-te.

Dancei para ti sob a lua do deserto
- todos os homens sabiam.
A fogueira acendida nos olhos,
a noite a arder entre almofadas.

Hoje é esta angústia,
a areia a lavar-me os olhos,
a tua ausência a ferir-me a pele.

Silvia Chueire





ENTREVISTA COM SILVIA CHUEIRE

*- Silvia, sei, porque me interessei pela sua escrita e porque sou mesmo atrevida (risos) que você começou a escrever um pouco mais tarde - ou seja, graças aos deuses, você não escreve *desde que se entende por gente* - como é comum as pessoas as pessoas responderem.
Como se deu o aparecimento da escrita literária e em especial da Poesia em sua vida?


Somos duas atrevidas, então. Sorrio aqui.
Nunca escrevi. Isto é, ao longo da vida eu escrevia coisas, mas elas nada tinham a ver com poesia ou literatura. Eram por assim dizer, desabafos. Sempre soube que havia algo a dizer neste sentido. Afinal, criança ainda tive uma primeira aproximação com a poesia que me marcou muitíssimo. E livros de todos os tipos que me caíssem nas mãos eram vorazmente lidos. Apenas a vontade de escrever não me fazia escrever bem. Faltava algo, eu não sabia o que era. E raras pessoas gostavam de, ou conheciam poesia . O tempo passou e o que fiz foi escrever pouco e mal. De modo que fiz muitas tentativas sem sucesso. Sucesso no sentido de exprimir o que pensava ou sentia de modo a que ali houvesse música e uma escrita que não fosse a pobreza mais pobre do lugar comum, um texto que eu reconhecesse como ao menos razoável. Depois filhos, muito trabalho, textos específicos para ler e escrever e uma vida corrida, me afastaram um tanto dos livros. Mais tarde, as crianças maiores, voltei a ler com frequência. Um dia escrevi um poema que me agradou. Não era bom, talvez nem mediano. Mas pensei comigo : ora, e não é que este não está tão ruim ? Como se eu tivesse encontrado uma trilha tosca no matagal. E foi assim. Daí em diante comecei a ler mais poesia - descobri um mundo que mal conhecia – e a escrever com maior regularidade. A participar de uma lista de discussão sobre poesia e me obrigar a ter um compromisso regular. Depois o blog, e sempre mais poemas. E aqui estamos
.


* Silvia, o título de seu blog é muito poético: In the meadow.
Fale tudo sobre Eugênia Fortes. Tudo que a gente queria saber e não sabe.;-)
Que agora não consta mais do título do blog. (só do endereço)


A Eugênia Fortes foi - e você vai achar isto uma bobagem, porque eu podia ter uma razão mais romântica, mais dramática e não tinha - apenas uma tentativa de, usando um pseudônimo escrever mais livremente. Era afinal a internet, um blog, e me preocupou usar meu próprio nome e sobrenome. Sendo médica e psiquiatra e além disso ignorando como os blogs efetivamente funcionavam, preocupei-me. Pura bobagem.

Foi com a Eugênia que comecei a escrever um arremedo de prosa. E nunca usei o blog como diário pessoal. Porém, quando colocava lá poemas que tinha escrito antes mantinha neles o meu nome. Já havia poemas meus em dois ou três sites, por isso mantinha o meu nome. Isto gerou nas pessoas uma confusão e eu, percebendo que as minhas preocupações não tinham razão de ser acabei por avisar no cabeçalho do blog que éramos a mesma pessoa e parar de assinar EF. Se republico algum poema que era assinado EF, agora mudo a assinatura.
O engraçado é que me dá uma certa saudade da Eugênia, tenho mesmo vontade de voltar a escrever com este nome.


* Falando em blogs: muitos escritores e até mesmo críticos, são de opinião que se por um lado a Internet e os blogues tornaram mais fácil a publicação de escritos *guardados na gaveta* (na expressão feliz de Clarice Lispector e José Paulo Paes), por outro, incentivaram muito uma produção de quantidade inversamente à qualidade. O que acha das Listas de Discussão, Listas de emails , de Poesia. Ajudaram você em alguma coisa?

Concordo parcialmente. O advento dos sites, dos blogs, incentiva a publicação, mas não em detrimento da qualidade. A qualidade da escrita da grande maioria é mesmo ruim. Na net a maior parte das pessoas pretende, de alguma forma, comunicar-se com outras pessoas conhecidas ou não. Não vejo nehum problema na questão da publicação. Que mal há em publicar na net o que se escreve? De qualquer forma nem todo mundo pretende escrever literatura, nem quer. Sou de opinião que nada ajuda mais a aprimorar da escrita do que ler e escrever. Todos têm o direito de escrever e publicar o que foi escrito? Ótimo ! Há então, no mínimo um exercício da escrita que não havia antes. E da leitura.
Para alguns, como eu por exemplo, os blogs, as listas são um exercício, uma disciplina, o compromisso com escrever sem a pressão para fazê-lo . São um meio de dar a conhecer o que se escreve, um meio de saber o que pensam os outros à respeito de poesia e prosa e da minha poesia e ( bem...) prosa. São um meio de debater questões relativas à escrita. Na medida que os pares gostem ou não, que se se manifestem, são um incentivo e um aprendizado com as críticas ou com o silêncio. Têm algumas desvantagens, mas no geral acho que têm valor.Last but not least são lugares de leitura. Tudo isto foi para mim importante. Afinal, eu nunca frequentei uma faculdade de Letras, portanto não tinha pares quando se tratava da poesia ou mesmo de alguma prosa. São todos uma boa contribuição principalmente quando se tem "ouvidos" atentos a ela.

* Silvia, você reconhece como legítima uma poesia "feminina", ou "poesia no feminino"... enfim, o que torna (ou não) reconhecível uma poética, ou uma dichtung feminina? (Não se trata de sexo e nem de gênero, mas de uma 'categoria': a da diferença)

Não é uma questão de legitimidade, penso. Basicamente entendo escrever poesia (ou prosa) como algo que é exercido, construído, sempre a partir do olhar do poeta para o mundo . Mesmo quando há heterônimos, mesmo quando o poema é uma construção, por assim dizer, racional, mesmo quando é pura ficção. A pura ficção é inventada por um sujeito. E quando será possível descolar o sujeito da sua escrita? Nunca. Ainda que ele invente será sempre seu o olhar inventor. De modo que, claro, quando uma mulher escreve ela terá na sua escrita questões, olhares, femininos. O mesmo vale para uma pessoa idosa ou para um homem, etc, etc. Isto faz uma diferença num certo sentimento de mundo? Claro. Mas não o faz cada escrita pessoal na sua individualidade? Esta mesma mulher terá questões, pensamentos, que são as de todos nós, homens e mulheres. A boa literatura produzida pelas pessoas tem um valor que transcende o gênero ao qual elas pertençam. Reconheço os poetas que escrevem como se fossem mulheres e mulheres que escrevem como se fossem homens. Quanto mais convincentes forem mais estão a nos dizer da sua sensibilidade em relação ao olhar alheio, à empatia, ao colocar-se no lugar de. Ainda assim não são o outro. Considero bastante interessante examinar, analisar o olhar de determinada autora no que ela tem de feminino, rebelde, ou o que seja e estudá-lo na sua expressão escrita como você fez ao estudar as fases do Bandeira, por exemplo. Mas categorizá-lo como uma dischtung ou poética feminina não faz o menor sentido. A Literatura, a Poesia são maiores do que estas diferenças. Habitam um universo sem gêneros. Por outro lado:
Por que seria Literatura Feminina a produzida por mulheres e Literatura a produzida pelos homens?





* Paraty, nome mágico, a FLIP, já está incorporado ao Calendário de acontecimentos literários do Brasil e de alguns países do mundo. Pois bem, essa minha afirmação é exagerada? Que pensa da FLIP em relação a escritores em geral?

Nenhum exagero na sua afirmação, Meg.
Paraty, a FLIP, é mesmo uma festa literária. As pessoas literalmente ( se me perdoa o trocadilho) festejam. Conversa-se animadamente sobre livros, textos, poesia, sobre a escrita de fulano ou sicrano. Pessoas ainda jovens falando sobre literatura. Isso dá um alento na gente ! À noite come-se e bebe-se, vai-se a shows, dança-se e conversa-se mais. Durante o dia assiste-se as mesas que são sempre em tom de entrevista, informais, nada acadêmicas, o que é interessante, agradável e suscita questões. Há sempre a oportunidade de fazermos as perguntas aos autores que quisermos . Autores que nunca pensaríamos poder encontrar porque vêm de toda parte do mundo. Poucos, mas bons na sua maioria. E sempre há ao menos uma oficina literária.

Há um espaço de peso para a poesia. Menor é claro - porque este evento é editorial também - do que para a prosa. Mas há. E com uma divulgação de porte que nunca houve. Maior mesmo do que as Bienais, que são no geral apenas grandes feiras de livros.

Essa festa tem intenções para além de ser uma festa. É um grande evento turístico e de marketing. Bancado por poucas editoras que dão principalmente aos seus autores o destaque que é necessário para a venda dos seus livros.
Portanto, a FLIP tem os seus limites. Nem por isso deixa de ser um evento agradável e interessante. Nem por isso deixa de ser um lugar onde os escritores se encontram entre si, e se encontram também com seus leitores. Uma fatia considerável deles se pensarmos nos resultados depois da FLIP e da enorme divulgação pela mídia.
Assim, veja você, minha empregada quando voltei da últma FLIP sabia coisas - e me perguntou por elas- que nunca ouvira antes.
Eu fui três vezes à FLIP, encantada na primeira retornei, e este ano vou novamente. Desta vez ao que parece vou ler uns poemas meus num evento da OFF FLIP, este evento paralelo que também vem crescendo e se tornando cada vez mais um espaço alternativo de boa qualidade
.

**O que você acha do mercado editorial (para poetas mulheres) - direi poetisas?
(Veja: não se tratará da *questão mercado editorial*, quero que diga que chances, poetas homens ou poetas mulheres - poetisas, você, por exemplo, teriam de ver seu livro publicado no Brasil - creio que é fácil entender por que pergunto isso)


Minha opinião se aplica tanto aos homens quanto às mulheres que escrevem poemas, penso que o mercado atualmente não distingue por sexo. Acho que as chances são mais do que mínimas, microscópicas mesmo. Poesia no Brasil é pouquíssimo editada, e quando o fazem são em geral os poetas conhecidos, consagrados. Sim, há as exceções. As que tenho visto são ou nomes de artistas conhecidas de TV, sejam eles (elas) bons ou maus escritores de poemas. E há as (perdoe-me a redundância) exceções excepcionais, algumas editoras que corajosamente se atrevem a publicar poetas talentosos que vão surgindo, mesmo que eles não dêem lucro algum. Ouso dizer, eu que nunca pesquisei sobre o assunto, que deve haver excelentes poetas que nunca conheceremos. Então, num certo sentido, há para alguns além da competência, do talento, alguma sorte e muito trabalho para darem-se a conhecer. Do mesmo modo que temos provavelmente centenas (ou mais) de edições do autor das quais nunca ouvimos nem ouviremos falar.


*Diga aqui só entre nós duas;-) e os leitores do Sub Rosa: existe possibilidade de o seu livro ser publicado no Brasil?

Não sei, talvez exista alguma, ínfima, mas intimamente creio que não.

*Bem, então como você analisa o fato de o seu livro ser publicado primeiro em Portugal ...

Não sei bem como analisar, mas vou novamente ser atrevida : penso que os portugueses em geral dão mais importância para ler, escrever e publicar) à poesia do que nós, se compararmos as proporções. Ainda que eles se critiquem e achem pouco. Então nesta situação eu tive alguma sorte, claro. Alguém leu o meu blog e o levou impresso a um jovem editor que mal começava a sua editora. Este alguém , agora é grande amigo meu. Pois bem, este editor, que se chama José Rui Teixeira gostou dos meus poemas e decidiu - apesar de estar apenas começando, veja bem ! - publicá-los. Comunicou-me, pediu que eu selecionasse os poemas e um ano e alguns meses depois o livro estava publicado .
Um editor decidido a iniciar uma editora que vem crescendo ao longo dos seus dois anos a olhos vistos, a Cosmorama. E ele merece, trabalha muito e com afinco. Você a encontra na net em :
http://aparicoes.blogspot.com .

*... os brasileiros teriam deixado passar uma oportunidade que foi mais bem compreendida por ou em Portugal?
No Brasil seria muito menos provável a minha sorte, digamos. Temos tanta gente boa, jovem ainda, escrevendo. Eu não faço nada para publicar os meus poemas, afora ter um blog. Digo, nunca fui a uma editora, e não iria. Acho tão pouco provável, que nunca tinha pensado em publicar, se eventualmente o fiz meu pensamento constrangeu-me . Tanta gente boa não é publicada, gente melhor que eu...

*Você diz sempre que leu muita poesia portuguesa, mas quanto à brasileira? Acompanha o panorama da poesia contemporânea brasileira?

Muita talvez para uma brasileira. O que costumo dizer é que não sendo literata, nem trabalhando na área literária, penso ter lido mais os portugueses do que a maioria dos brasileiros que conheço, que gostam de literatura e que lêem poesia.
Não acompanho o panorama da poesia brasileira contemporânea. O que faço é ir às livrarias, olhar os livros de poemas que lá estão , sentar-me e lê-los a ver se gosto deles e comprá-los sempre que gosto. Tenho tido ótimas surpresas com nomes que não conhecia. Eventualmente leio sobre eles em algum caderno literário dos jornais. Se quero mais e não encontro, procuro na internet. E tenho encontrado muita gente boa na e pela internet. De forma que não tenho exatamente a idéia geral que o conhecimento do panorama exigiria.


** O que acha da associação ainda hoje corrente entre o Poeta e a angústia, o sofrimento? A vida atribulada concorre para uma depuração da criação? (pergunto isso - também- porque como os leitores do Sub Rosa estão vendo, Silvia Chueire é uma mulher muito bonita, e alegria parece ser a palavra de ordem oriunda de seu sorriso)

Acho que isto é um mito que está , como você mesma diz, se desfazendo. Levo em consideração que há que haver alguma ansiedade a nos empurrar para a criação, para mover-nos. Pessoas num estado de apatia, de extrema beatitude escrevem menos, assim como as extremamente deprimidas ou em pleno surto delirante. E admito que as pessoas que sofrem possam estar em determinado momento mais permeáveis à coisa criativa. Não o estão também as pessoas felizes ? Não vejo uma relação direta entre a angústia e a escrita, poética ou não. Parece-me que esta visão do poeta como alguém que é sensível e escreve porque sofre, é uma visão romântica. O amor talvez tenha esta relação mais clara com os poemas. A idealização em torno do poeta é outro mito. Não tenho dos poetas, dos escritores, uma visão especial. Sei bem que o leitor pode encantar-se com o texto ou o poema e, a partir disto, idealizar o autor. Pessoas comuns, os poetas. Passam pelas mesmas vicissitudes de todas as outras. Apenas têm o talento de, ao olhar o mundo descobrir a poesia das coisas e as traduzir em palavras. Pessoas sensíveis, dizem. Talvez o sejam, mas de uma sensibilidade específica, que cria. Conheci pessoas sensíveis que nunca escreveram uma só linha. E poetas que eram criaturas bastante insensíveis.

silvia e seu sorriso

*Em recente e brilhante Conferência proferida pelo sábio brasileiro -reconhecido em praticamente todo o mundo ocidental - Professor BENEDITO NUNES , no Teatro Maria Sylvia Nunes, em Belém do Pará, intitulada GÊNIO, MANIA E FOLIA - ele lembrou a distinção de FERNANDO PESSOA entre os loucos a quente e os doidos a frio e ele, Pessoa, o grande Poeta, foi julgado por si mesmo como incluído nesta última categoria - 'doido a frio, doido de verdade'.
Também lembrou Kant que na primeira parte da Crítica do Juízo, (na Estética) focaliza o gênio (tem gênio - como talento específico -aquele que cria dando à sua obra o vulto do penetrante conhecimento das coisas, livre do constrangimento das regras e acima da tradição a que está vinculado.
Dessa forma, o gênio é um *maniaco*, ou seja um 'delirante', no sentido grego. O que está explicitado no FEDRO, por Platão.
Mas onde eu quero chegar é: você como médica especializada, ou especialista, como vê essa relação entre gênio, loucura e criação?

Olha, Meg: não creio que Kant se referisse ao louco quando pensava o gênio. Penso que falava do gênio como o homem que teria a faculdade de perceber a beleza das coisas, do mundo, a partir de uma disposição pessoal, única, e do talento natural para criar uma obra de arte para a qual antes não havia regras. Um homem que parte da ausência de regras, cria sua obra na ausência delas e não segue padrões. Está acima, ou melhor fora deles. Sua obra, no entanto, será reconhecida pelos outros que verão nela regras a serem seguidas. Tem a marca de uma originalidade absoluta. Sem isto não haveria genialidade.

Tenho clareza que a condição de gênio não é algo da ordem da loucura. Ainda que a cultura ocidental tenha criado esta espécie de mito ( aí também) à medida que identificou comportamentos excêntricos de alguns e mesmo a loucura de outros, com a genialidade de poucos. Um gênio (um criador) pode ficar angustiado, pode mesmo enlouquecer, mas isto não signfica que há uma relação direta da sua genialidade com a sua loucura, o mesmo vale para o poeta ou o escritor geniais. Estou falando da loucura de fato. Digo, da loucura não romancizada. Em Platão, o que me parece é que o "daimon"- gênio era um intermediador entre homens e deuses. O gênio de Kant é também uma espécie de intermediador entre os homens e a beleza do mundo.

Em Fedro Platão diz algumas coisas distintas: fala do apaixonado como um louco, um delirante que não se deve temer porque é inspirado pelos deuses para sua (dele ou de ambos os amantes) felicidade. Diz ainda que a loucura não é um mal e dá origem a três tipos de delírio também inspirados pelos deuses: "maniké" -mania, o nome dado à arte de prever o futuro sob inspiração divina; aquele que surge durante catástrofes e aponta o dom de descobrir remédios e males e preces que afastem a ira dos deuses; e o provocado pelas três musas, delírio que inspira odes e poemas. Em todos eles a divindade tem uma participação direta. Daí, penso, a idéia do poeta como um homem “especial”, ainda hoje entendido como um ser diferente dos outros .

Estas aproximações do conceito atual de loucura, mania e delírio são interessantes porque apesar de não serem em nada os mesmos conceitos são uma espécie de metáfora da loucura.

Falo aqui da loucura que impede o sujeito de escrever, de pintar, de viver, enfim. Porque desorganiza aos seus pensamentos, provoca alucinações, cria gaps no seu estar interior e no seu estar no mundo.

*Silvia, se fosse o caso, poderia dizer (cruelmente, até para que eu o mudasse) o que pensa do título desta série na qual você está incluída: "PEQUENA SOCIEDADE DAS GRANDES POETAS VIVAS"?

Ah, Meg, acho o título fantástico ! E pode parecer falsa modéstia, mas não é, garanto ; não acho que eu mereça pertencer a esta sociedade.

* Que poetisas brasileiras e portuguesas vivas você indicaria?

Brasileiras : Adélia Prado, Claudia Roquette Pinto, Virna Teixeira, Neide Archanjo.
Portuguesas : Maria Tereza Horta, Luísa Neto Jorge, Ana Luísa Amaral.


* Claro que todos sabem que um poema não cai no colo do autor, poderia descrever o seu processo de criação?

Escrevo a partir de tantas coisas, Meg. Por tantas razões e por nenhuma. Assim, um pensamento ou o fragmento dele, uma canção, a emoção despertada pela natureza e seus fenômenos quando ela se apresenta a mim ou quando eu tenho olhos para ver. Outro poema, ou prosa, pode me despertar a vontade de escrever algo. Alguma provocação que eventualmente eu (ou os outros) me faça : escrever algo que não sinto, que não vivi, alguma coisa apenas racional. Minha própria vida, acontecimentos,observações,reflexões, entrelaço-os com ficção.
Em geral anoto num pedaço qualquer de papel, ou no computador. Às vezes os poemas me vêm à cabeça quase prontos, noutras eu os trabalho mais, ou espero que se desenrole de mim o que quero escrever. O fato é que se não anotar eu os perco completamente. Já me aconteceu, e com frases que lamentei depois não lembrar. Antes de publicar eu os revejo muitas vezes e este é um trabalho que me parece nunca terminar. Sempre fico com a sensação de que isto e aquilo poderiam ser mudados para melhor .
Não escrevo poemas perfeitos.


*********
* Bem, Silvia, para os limites de um blogue, chegamos ao final dessa mini-entrevista - que como você sabe e os leitores ficam sabendo, foi a mais informal possível (gente, conversar com a Sílvia é um barato total;-):-) Ela é muito estimulante, a prosa corre solta). Os emails voam:-)
No entanto, como faço com todos os meus entrevistados, pergunto:
O que gostaria de acrescentar? Que pergunta eu deveria ter feito e não fiz?

Nada a acrescentar, as perguntas foram bem feitas.

*Nesse caso,Silvia, muito obrigada. Iimensamente. Por enriquecer o Sub Rosa, a mim e a todos os nossos privilegiadíssimos (13 ou 14) leitores), que tenho a certeza, agradecem comigo, o fato de ter atendido o meu pedido de entrevista, sem delongas, e com muita simpatia, educação e boa-vontade. Foi um prazer e uma honra.

Não há o que agradecer , Meg. Você faz um trabalho de divulgação muitíssimo bem feito, tem um blog bem cuidado e de bom gosto. Eu é que devo dizer : Obrigada ! Para mim é um prazer estar aqui como leitora e agora como entrevistada. Eu ganho com isso. Sou-lhe grata por tudo e porque sei muito bem o trabalho danado que vc deve ter tido.

*********
Todos ganhamos, Silvia:-)
SERVIÇO:
O livro de Silvia no Sub Rosa:
http://flabbergasted.blogspot.com/2005/10/silvia-chueire.html
IN: http://flabbergasted.blogspot.com/2005_10_01_flabbergasted_archive.html

Sobre livro de Silvia Chueire aqui vai o endereço do editor a quem se pode encomendar:
"Por favor, um blues" : joseruiteixeira@netcabo.pt

E você pode encontrá-la, ler, apreciar e comentar seus poemas aqui em seu blog:
In the meadow

(*) Agradeço, sensibilizada, a correção, a acuidade e a generosidade do escritor PAULO JOSÉ MIRANDA, que me chegou por email: O livro de Silvia foi publicado em Portugal, no Porto e não em Coimbra. Obrigadíssima
AS CARTAS DO SÉCULO XXI

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"Só o silêncio pode pedir uma palavra inaugural. A pergunta, meu amor, é o pecado, a expulsão do paraíso..."

Onde se pode ler isto e chorar? Extasiar-se. Ficar *mundiado* isto é aceder a um mundo novo, novo mundo. Do qual não se sabe nem o antes e nem o depois?

Aqui neste blog. Corra para pegar o primeiro lugar! Porque "O coração gasta-se".

De um admirável escritor que ama, que é apaixonado pela escrita e sua escritura.
E que (também) escreve Cartas.


Cartas são, em geral, fragmentos. Não se pode dizer tudo numa carta, então o que resta ao leitor/destinatário é ficar *perdido* . É perder-se entre essas recortadas sendas, presos a essa sedutora composição fragmentária de um possível conjunto que pode ser e é quase tudo:
É o escândalo dos sentidos, a descrição e a exaltação dos males da ausência, o caminho percorrido entre a urgência e a errância. O escândalo e o desconcerto. Desejo e paixão. Eito e cilício.

Mas não nos cabe falar diante dessa escrita. Calar-se importa.
É imperioso ler. Todas as segundas-feiras. Encontro marcado.!

Não esqueçam.
Mas enquanto esperam, leiam todas, todas são uma manifestção do acaso conjurando recusa e exclusão, são Beleza e Graça.




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O site da Banda Rammstein: um outro mundo novo a que só foi possível aceder após a leitura de algumas das Cartas - notadamente a última, a que está no ar. De onde foram tirados os excertos acima. Du / Du hast / Du hast mich / Du hast mich gefragt / Du hast mich gefragt, und ich hab nichts gesagt /


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MEA CULPA: Confesso envergonhada que deveria, que queria ter sido a primeira a mostrar esse blog e sua tirana captura, aos meus leitores. Que, sim, são os melhores do mundo.
Mas não, não fui e penitencio-me por isso. E entre feliz e consternada, confesso ainda que sou a devedora de uma das pouquíssimas Amigas que mais conhecem a minha alma.
Uma deusa: a Poderosa Afrodite. Quem mais? Obrigada, Little Letti.



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Ah! Sim, sim ! Claro,o Autor! o Autor!: É
Paulo José Miranda, e se você achar que o nome dele está muito freqüentemente em vários posts do Sub Rosa então leia uma razão aqui no Imagens e Palavras .


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SérgioSérgio Rodrigues, está aí? Já viu 'isto'.?

Querido, muito querido
Alê Inagaki . Agora é com você;-)))
Eu só tenho um niquinho de prestígio, com meus 13, 14. . Prestígio e poder é com vocês.;-)


Eis a música. Eu *pessoalmente*, ou seja , a minha pessoa, como diria Madame Satã;-), aguarda que me digam o que acham da música.
Não vai alterar o que penso dela. Só quero saber se para você é péssima, horrível, se inspiraria uma carta do século XXI, etc etcetceterrá.Ou se, por acaso, gostaram. A letra e sua tradução estão aqui: L E T R A ---- T R A D U Ç Ã O

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HellowWWW Markus!

ADENDA: Informação oferecida pelo querido D.G.R (Dante) ( que link eu coloco, dio mio?) :

"Ajudou a divulgar Rammstein no Brasil o filme Lost Highway, do saldözo David Lynch. De hora para outro, bandos foram atrás das outras músicas.

Ah, no wiki há lincos da banda: "

http://pt.wikipedia.org/wiki/Rammstein

Thursday, September 14, 2006

ENTREVISTA A ALEXEI BUENO por PAULO JOSÉ MIRANDA

PAULO JOSÉ MIRANDA, escritor , poeta e dramaturgo, português de nascimento, mas de destinação indefinida:-) entrevistou ALEXEI BUENO, Poeta, brasileiro, carioca, o Píndaro da Lapa.


Eis o resultado dessa conversa entre dois agentes escandalosamente indiscretos adoradores de Dionisos, também conhecido por Baco.



Em que sentido a tradição assume para ti o centro da poesia, e não apenas da tua?

ALEXEI BUENO – Há muito tempo me afastei da ilusão do progresso, da evolução em coisas humanas. Sou um tanto schopenhauriano nisso, pessimista portanto. Ora, na medida em que me distancio desse belo sonho da perfectibilidade humana, o peso da continuidade torna-se muito sensível. Sob esse aspecto tudo é tradição, nossos três mil anos de poesia ocidental, o infinito prazer estético que encontro em Homero, coisa que já impressionava Marx, obviamente um partidário da perfectibilidade, etc. Com todas as infinitas alterações externas, o fundo para mim persevera, logo trbalhamos com a mesma matéria da tradição, tudo é tradição.


PMJ:Julgas que a poesia brasileira vive um momento pujante? E esse momento tem territórios mais ou menos bem definidos, ou é extensivo a todo este imenso território?

A B – Há grandes nomes, muitas vezes pouco conhecidos ou injustiçados, mas não diria uma pujança. Pujança a poesia brasileira viveu em dois momentos, sem entrar no mérito de grandíssimos poetas isolados, no Romantismo e na maturidade do Modernismo, ou seja, em 1850-1870, e 1930-1960.


PMJ: -Em 1999 foste o responsável por uma antologia da poesia portuguesa, que conheces, não só a antiga, mas também a actual, como vês a poesia portuguesa neste momento? Julgas que há pontos de contacto entre as poéticas brasileiras e portuguesas, na última década?

A B – Não, perecem-me muito diferentes, o que até me espanta, talvez por Portugal ter vivido uma importante experiência surrealista, o que nunca aconteceu entre nós, país até hoje mentalmente dominado pelo positivismo mais tacanho, até na arte, e pela grande hegemonia do Concretismo no Brasil, uma espécie de máfia, de fascismo, durante a ditadura militar, mas com reflexos até hoje. Eu, pessoalmente, me sinto muito ligado à poesia portuguesa, mas sou um tipo sui generis.

PMJ -Qual a tua relação com as poéticas dos países vizinhos, de língua castelhana? Neste momento, como as avalias? E, em geral, o Brasil tem boas relações poéticas com esses países?

A. B. – A literatura hispano-americana é riquíssima, na prosa e na poesia, que aprecio muito, mas o desconhecimento é total entre o Brasil e os países hispânicos e vice-versa. No seu livro de memórias, Mon dernier soupir, Buñuel fala de Portugal como aquele país que parecia aos espanhóis mais distante que a China. Posso dizer que isso se reproduziu na América do Sul, com um país único que fala português virado para o Atlântico, e uma grande variedade de países (como no fundo é a Espanha) falando castelhano e fazendo fronteira com ele, mas como se estivessem do outro lado do mundo.

PMJ: Neste momento, o Brasil vive um momento político bastante conturbado. Como vês essa situação? De que modo este momento político pode ajudar ou prejudicar a poesia, em particular, e as artes, em geral?

A. B. – A esquerda brasileira é, ao que tudo indica, a pior do mundo, a mais incompetente, a mais despreparada. O Brasil caiu no obreirismo, essa coisa que Lenine já condenava, e elegeu como presidente um ex-operário semianalfabeto – no qual, como bom imbecil, eu também votei – o qual, além de criar o maior esquema de corrupção da história da república, faz o governo mais sordidamente de direita que aqui já se viu, incluindo os generais. Para a poesia isso não afeta nada, o espírito sopra quando quer, mas a situação de patrimônio histórico, por exemplo, com esse governo ultra-neo-liberal, está dramática.

PMJ: Poesia e Brasil têm o mesmo destino?


A. B. – Para o bem da poesia, espero que não...


=====
Uma pergunta que eu faria os dois:


Meg (Sub Rosa): Soube há pouco que Nuno Júdice, o poeta português acab de fazer um blog e o está atualizando, minha pergunta é:



Paulo, já tens um blog - diz-nos o que estás achando e o que pretendes com ele. E seja como for, recomendarias a Alexei que mantivesse um blogue também, vocês, os dois que são Senhores do Tempo?


Alexei, seguirias a recomendação de Paulo?

Não tenho esperança de que me respondam:-)

Wednesday, September 13, 2006

HAMLET por Kathrin Rosenfield

Hamlet
Hamlet é uma das peças de teatro mais famosas de Shakespeare (1564 - 1616). Foi escrita entre 1600 e 1602 e impressa em 1603


Sete caminhos para entender um clássico
1) Por que Hamlet tornou-se um clássico?

Tornam-se "clássicas" (no sentido de lembradas, lidas sempre de novo) as obras que criam um modo novo de expressar alguma dimensão da existência. Hamlet traz à superfície algo que, até então, permanecera oculto, vago e, nesse sentido, não existia verdadeiramente. Com Hamlet, sentimos quantas coisas na vida real são encenação. Ele é uma figura que torna plausível as incongruências e verossímeis as loucuras. (Kathrin Rosenfield, prof. da UFRGS)

2) Qual a importância de Hamlet dentro da obra de Shakespeare?

Hamlet está entre as obras que marcaram uma reviravolta na arte de Shakespeare - provavelmente há uma relação com a experiência da morte (Shakespeare perdeu um filho pequeno chamado Hamnet). O que observamos nessa peça é uma forma de narrar que aprofunda prodigiosamente o lado enigmático da natureza humana. Pela primeira vez, temos aí uma técnica da escritura que capta as inúmeras facetas da ambivalência, os sentimentos e gestos contraditórios, tudo aquilo que não sabemos e não dominamos na existência. (Kathrin Rosenfield)

3) Qual o sentido do dilema "ser ou não ser"?

A fórmula de Hamlet refere-se, num primeiro momento, à idéia do suicídio e a um sentimento de fracasso e impotência diante de um mundo fora dos eixos. No entanto, na peça ela remete também à ambigüidade da (auto)encenação e da vida concebida como encenação. O Renascimento criou a consciência do homem dando-se sua própria forma. Nisso, há um lado de liberação. A mesma liberdade tem um avesso: a autonomia moderna suscita o medo de perder-se nas inúmeras formas ficcionais. A consciência da encenação termina por ser inquietante, ela nos dá, às vezes, a sensação de desamparo e abandono. (Kathrin Rosenfield)

4) Por que Hamlet não perde a atualidade?

Porque trata de assuntos que permanecem atuais, como a questão da morte. Nenhum outro texto até hoje expressou tão profundamente a angústia do ser humano em relação à morte, que é uma angústia eterna. Além da trama metafísica, Hamlet traz as tramas política e familiar, que também permanecem atuais. (Jorge Furtado, cineasta)

5) Qual a melhor adaptação de Hamlet para o cinema?

A do inglês Laurence Olivier, de 1948. Além de dirigir, Olivier teve uma ótima atuação no papel-título do filme. Conseguiu melhor que ninguém colocar o fluxo de consciência de Hamlet no cinema, dividindo as falas e pensamentos em partes faladas diretamente pelo personagem e partes narradas em off. (Jorge Furtado)

6) O que se espera de um ator que vai interpretar Hamlet?

A compreensão da totalidade e da complexidade da obra, que até hoje permanece atual e que criou novas perspectivas para a dramaturgia. É um desafio enorme porque o ator deve entender as sutilezas que Shakespeare usou no texto. (Sérgio Silva, cineasta e professor da UFRGS)

7) Por que devo ler Hamlet?

É o texto fundamental da história do teatro. Por ser longo e rico em detalhes, Hamlet ultrapassa os limites teatrais e se transforma em uma obra que aborda também a filosofia, a política e a história. (Sérgio Silva)



Hamlet
"Com Hamlet, sentimos quantas coisas na vida real são encenação. Ele é uma figura que torna plausível as incongruências e verossímeis as loucuras" Kathrin Rosenfield

PAULO JOSÉ MIRANDA: Escrever muito ou pouco

Certa vez ao intentar uma apresentação de Paulo José Miranda , escritor, poeta e dramaturgo português - para o público brasileiro, demonstrei minha admiração pelo fato de o autor ser tão jovem e já ter escrito tanto.

Não fiz juízo de valor, não demonstrei absolutamente nada além do interesse, digamos, informativo que é natural.

A matéria nunca foi realizada, mas Paulo José Miranda enviou para o Imagens e Palavraseste texto de que gostei muito e que resolvo publicar aqui, sempre lamentando que aoesar das tentativas que fiz, não se chegou a bom termo.


Eis o texto, leiam e façam, se assim o desejarem, suas considerações:


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Desde o meu começo como escritor, em 1998 (no ano anterior tinha publicado apenas um livro de poesia), que fui acusado de escrever muito. Isso lembra-me uma estória contada pelo meu amigo e filósofo António C. Caeiro, que ele presenciou num aldeia de Trás-os- Montes: um homem era acusado de beber muito, bebia três garrafões de vinho por dia, 15 litros, e um dia respondeu a quem o acusava “vocês só vêem o que eu bebo, não vêem a sede que eu tenho”. Ora, precisamente! De onde vem a sede, isso já é uma outra estória.

"Em três semanas, trabalhando de sete a dez horas por dia, principalmente à noite, ele [Sade] redige em minúsculas letras, num rolo de papel de doze metros de comprimento, o manuscrito ao qual dará o nome de Les 120 Journées de Sodome ou Lécole de Libertinage.. Quatro anos depois, às vésperas da Revolução, quando é transferido pela primeira vez para o sanatório de Charenton, o Marquês de Sade tem uma obra de quinze volumes.” (in Sade – A Felicidade Libertina, de Eliane Robert Moraes, Imago, Rio de Janeiro, 1994)

Podem encontrar justificativa de tanta produção literária pelo facto de Sade se encontrar na prisão, pois caso estivesse livre isso não aconteceria. Sem dúvida, correcto. Não tenho dificuldades em anuir com esse argumento. Também eu quando não me sinto preso deixo de escrever. O problema é que a maior parte do tempo me encontro preso. Não entre as grades de uma prisão, mas entre as grades de todas as convenções sociais da beleza, do estatuto e do dinheiro. A beleza já se foi; estatuto não tenho nenhum, nem emprego; e quanto ao dinheiro, bom, vou tendo em doses de sobrevivência, por caridade de amigos e familiares. Se Sade, ao seu tempo, vivesse assim também consideraria isso uma prisão. Não teria era seguramente chegado a aprender a escrever ou, se chegasse, muito improvavelmente teria tido interesse pela literatura. Há poucos dias um amigo, Milton Ribeiro, mostrou-me um livro, Estilhaços (Editorial Record) de um escritor e tradutor amigo seu, Marcelo Backes. Nesse livro, de fragmentos e aforismos, ele escreve: “Viver é escrever para não matar...” Subscrevo por inteiro essa frase. E, se me permitem o abuso, o mesmo se aplicaria a Sade. Na prisão, ele escrevia para não matar. Na minha prisão dos meus dias, que é não ter nada deste mundo, ou muito pouca coisa que lhe interesse, escrevo. Escrevo e penso horas e horas por dia: para não matar e para não me matar. Quem julgue que isto é exagero é porque tem seguramente uma casa e não sabe o que é não tê-la. Tem seguramente algum dinheiro e não sabe o que é não tê-lo. Tem seguramente alguma beleza e não sabe o que é já não tê-la. Quando, burguesmente, alguém diz de outrem que ele escreve muito, deveria averiguar se ele escreve muito porque precisa pra comer, pra não matar ou nãos e matar ou, pelo contrário se escreve muito por vaidade, pra enriquecer mais ou pra ocupar o tédio dos seus dias. Por mim, sei qual é a resposta. E a maior das dificuldades, para comigo mesmo, é estar continuamente dividido entre o desejo de não escrever e não ter outra alternativa a não ser escrever. A minha mágoa é compreender que talvez não se possa escrever fora da prisão. Se conseguir comprar roupas, alugar uma casa é muito provável que deixe de escrever ou, pelo menos, escreva muito pouco e já ninguém me acuse de escrever muito.


Paulo José Miranda
São Paulo, Março de 2006


ADENDA:. Paulo José Miranda, que mora no Brasil há cerca de um ano, também tem um belo blogue. Visite-o: chama-se O Coração Gasta-se. É feito em forma epistolar.

MAPA - MURILO MENDES

MAPA

Murilo Mendes


Me colaram no tempo, me puseram
uma alma viva e um corpo desconjuntado. Estou
limitado ao norte pelos sentidos, ao sul pelo medo,
a leste pelo Apóstolo São Paulo, a oeste pela minha educação.
Me vejo numa nebulosa, rodando sou um fluído,
depois chego à consciência da terra, ando como os outros,
me pregaram numa cruz, numa única vida.
Colégio. Indignado, me chamam pelo número, detesto a hierarquia.
Me puseram o rótulo de homem, vou rindo, vou andando, aos solavancos.
Danço. Rio e choro, estou aqui, estou ali, desarticulado,
gosto de todos, não gosto de ninguém, batalho com os espíritos do ar,
alguém da terra me faz sinais, não sei mais o que é o bem
nem o mal.
Minha cabeça voou acima da baía, estou suspenso, angustiado, no éter,
tonto de vidas, de cheiros, de movimentos, de pensamento,
não acredito em nenhuma técnica.
Estou com os meus antepassados, me balanço em arenas espanholas,
é por isso que saio às vezes pra rua combatendo personagens imaginários,
depois estou com os meus tios doidos, às gargalhadas,
na fazenda do interior, olhando os girassóis do jardim
Estou no outro lado do mundo, daqui a cem anos, levantando populações...
Me desespero porque não posso estar presente a todos os atos da vida.
Onde esconder minha cara? O mundo samba na minha cabeça.
Triângulos, estrelas, noite, mulheres andando,
presságios brotando no ar, diversos pesos e movimentos me chamam a atenção
o mundo vai mudar a cara,
a morte revelará o sentido verdadeiro das coisas.

Andarei no ar.
Estarei em todos os nascimentos e em todas as agonias,
me aninharei nos recantos do corpo da noiva,
na cabeça dos artistas doentes, dos revolucionários.
Tudo transparecerá:
vulcões de ódio, explosões de amor, outras caras aparecerão na terra,
o vento que vem da eternidade suspenderá os passos
dançarei na luz dos relâmpagos, beijarei sete mulheres
vibrarei nos cangerês do mar, abraçarei as almas no ar
me insinuarei nos quatro cantos do mundo.


Almas desesperadas eu vos amo. Almas insatisfeitas, ardentes.
Detesto os que se tapeiam,
os que brincam de cabra-cega com a vida, os homens "práticos". ..
Viva São Francisco e vários suicidas e amantes suicidas,
os soldados que perderam a batalha, as mães bem mães,
as fêmeas bem fêmeas, os doidos bem doidos.
Vivam os transfigurados, ou porque eram perfeitos ou porque jejuavam muito.
viva eu, que inauguro no mundo o estado de bagunça transcendente.
Sou a presa do homem que fui há vinte anos passados,
dos amores raros que tive,
vida de planos ardentes, desertos vibrando sob os dedos do amor,
tudo é ritmo do cérebro do poeta. Não me inscrevo em nenhuma teoria,
estou no ar,
na alma dos criminosos, dos amantes desesperados,
no meu quarto modesto da praia de Botafogo,
no pensamento dos homens que movem o mundo,
nem triste nem alegre, chama com dois olhos andando,
sempre em transformação.
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Murilo Mendes (*Juiz de Fora, 1901-+Lisboa, 1975), com Jorge de Lima e Mario Faustino são os meus Poetas do coração e da alma.
Murilo jamais escreveu um verso ou poema banal. Foi barroco e surrealista. Moderno e tradicional; sempre mantendo uma independência e um certo desprezo, pelo enquadramento dos manifestos. Veio à luz, como poeta, no mesmo ano (1930) que Drummond, e foi logo saudado por Mario de Andrade. Em tudo, Murilo foi revolucionário. Até sua conversão para o cristianismo, tão incompreendida, na polaridade angelismo/demonismo, foi ao contrário um ato de resistência, (que estava ao mesmo tempo acontecendo na Europa, principalmente na França) e não se tratava de aceitação e sim, uma nova proposição: a saber, a proposta de um catolicismo mais voltado para os problemas humanos, terrenos.

Satírico, irônico, é dele o que já se viu atribuído a Oswald de Andrade:
"O homem
é o único animal que joga no bicho"
que depois renegaria:-) (É terrível o trabalho do crítico, mas não parece coisa de Millôr Fernandes?)

Em 1941, conheceu Maria da Saudade Cortesão, filha do grande historiador português, Jaime Cortesão, exilado no Brasil.
Seis anos depois Murilo e Saudade casaram-se.
Em 1956, ele e Saudade mudaram-se para a Itália e Murilo foi ser professor de Cultura Portuguesa, na Universidade de Roma.
O casal formou um círculo lítero-artístisco-cultural (no mesmo prédio morava Audrey Hepburn, amiga do casal), freqüentado por músicos, artistas plásticos, atores, homens de letras e artes; críticos, como o linguista Roman Jakobson, que muito o admirava.
Influenciou e foi reverenciado por alguns dos maiores poetas brasileiros de sua época. Foi um arrebanhador de poetas futuros. Com seus poemas , grafittis e murilogramas, o Poeta era apenas e sempre *o Poeta*.

Um Imperador das Palavras, que sofreu, se atormentou sempre, com o descaso e a indiferença com que o Brasil costuma tratar e dedicar a seus filhos grandiosos.

''Não sou brasileiro, nem russo nem chinês,
Sou da terra que me diz NÃO eternamente-
Eu sou terrivelmente do mundo",
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* Este post é dedicado a um dos maiores intelectuais vivos, em âmbito universal, o brasiliero Benedito Nunes, um sábio, um Mestre. Que merece ser muito mais conhecido por brasileiros, tanto quanto o é, por estrangeiros.
Foi ele que me indicou Murilo Mendes, certa vez. Foi uma experiência única. Eu me apaixonaria irremediavelmentete por Murilo (por isso falo/escrevo muito pouco sobre ele).
E, a esta discípula, eterna discípula, tão insipiente, o sábio Benedito Nunes, propiciou tanto conhecimento invulgar - e confere a honra de chamá-la de colega, e hoje, até hoje, de Amiga.

Obrigada, Professor!
Meg Guimaraes
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